domingo, 13 de março de 2011

Abaixo, outro texto poético dos anos 90 que gosto muito. Não se importem, pois algumas pessoas aí já morreram. É a vida!

O caçador de abstratos

Cotidianamente rezo um rosário de palavrões. ( Que vá à merda ). Cássia Eller no digital. Diz a crítica: ( Cago. Ando. Cago ) ela está melhor. O telefone mudo. A voz muda. Estamos todos meio afônicos. Síndrome de bossa nova. Somos todos infelizes, disse Machado em suas memórias póstumas. Um grupo inglês sombrio à luz do dia. Pós modernos nos postamos melancólicos. Cotidianamente rezo um rosário de tesões. Sheilas nuas num out-door.
Estou sempre aflito. Me grito. Me calo. ( Falo ). Desesperado. Acho que vou destruir algo. Talvez todos os meus escritos. Lírico abandonado. Romântico desinspirado. A rima foi um simples acaso. Detesto rimas. Detesto vídeo games. Detesto alguns sites na internet. Detesto tudo aquilo que não sei manusear. Por isto este barco à deriva? Por isto esta raiva absurda? Somos todos absurdos, disse Beckett antes de Malone morrer. Esperamos por Godot. Mas quem aparece é Godard. Diz a crítica: ( Cago. Ando. Cago ) ele está pior. Cotidianamente crio um rosário de caos. Objetos. Ereções. Angulações concretas. Retas. David Byrne toca samba. As luzes da cidade me apavoram. Prefiro a tranquilidade grotesca das trevas. O olhar opaco de um Borges.
João Cabral de Melo Neto levou para o escuro eterno a sua visão periférica. Memórias do presente um minuto atrás. O passado um segundo à frente.
Um poema que parte o vidro. É disto que eu preciso. Não é nada disso. Parte-se o tempo. Somos todos frios, diz um escritor eurocomunista em extinção. Estamos fervendo. Ficando loucos. Globalizando-se. Estamos assim há vários anos. Talvez seja este o nosso prazer.Buscamos a forma. Desistimos da fama. O conteúdo, mesmo que seja em vão. Egos com creme de leite nacional. Os homens se tornam cyborgs. Mas sempre terão alma. Ou então uma arma. Já que tudo é tão concreto. Sempre. Tudo indica que continuaremos em fuga. Sempre. Blade Runner caça agora os abstratos.

Um comentário:

  1. Camarada, eu tava aqui justamente pensando nisso tudo, procurando respostas ou salvação. Não encontrei ainda. Mas esse seu texto é muito bom.

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