segunda-feira, 21 de novembro de 2011

(poema em homenagem ao rio Piracicaba que deu origem à minha terra natal, João Monlevade, no Vale do Aço mineiro)

Com ler um rio dentro da cidade original

joão cabral de melo neto
se tivesse visto o piracicaba
imaginaria “um cão sem plumas” ?



todo rio faz
uma releitura
lenta
digestiva
das geografias
que assimila

nenhum rio
escolhe uma cidade
elas se erguem
à sua revelia
invadem margens
violam sua água

a cidade surgiu
do ferro e fogo
com esse rio
nas entranhas
serpente de fúria
e calmaria

durante as cheias
lambia casas
devorava incautos
depois acalmava-se
numa sonolenta
vigília surda

a calda do rio
como o corpo
dos homens
absorveu o aço
seus fluídos
seu ácido

as águas rubras
semimortas
não sentiram
o corpo urbano
indócil
expandir-se

na margem virtual
da cidade outra
lia-se o rio como morto
sem traduzir seus
ritos e tragédias
ou deduzir seu esgoto

mas o rio seguia
a sua escrita
selvagem
pouco denso
menos químico
mas indivísivel

enquanto a memória
sonâmbula
esquecia o rio
emparedado
na releitura eterna
da cidade original.

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