(poema em homenagem ao rio Piracicaba que deu origem à minha terra natal, João Monlevade, no Vale do Aço mineiro)
Com ler um rio dentro da cidade original
joão cabral de melo neto
se tivesse visto o piracicaba
imaginaria “um cão sem plumas” ?
todo rio faz
uma releitura
lenta
digestiva
das geografias
que assimila
nenhum rio
escolhe uma cidade
elas se erguem
à sua revelia
invadem margens
violam sua água
a cidade surgiu
do ferro e fogo
com esse rio
nas entranhas
serpente de fúria
e calmaria
durante as cheias
lambia casas
devorava incautos
depois acalmava-se
numa sonolenta
vigília surda
a calda do rio
como o corpo
dos homens
absorveu o aço
seus fluídos
seu ácido
as águas rubras
semimortas
não sentiram
o corpo urbano
indócil
expandir-se
na margem virtual
da cidade outra
lia-se o rio como morto
sem traduzir seus
ritos e tragédias
ou deduzir seu esgoto
mas o rio seguia
a sua escrita
selvagem
pouco denso
menos químico
mas indivísivel
enquanto a memória
sonâmbula
esquecia o rio
emparedado
na releitura eterna
da cidade original.
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