segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

No inferno também neva

I

Pouco

toda contenção
estética
provoca secura
na garganta
poesia de baixa
umidade

peço a deus
uma prosa densa
tensionada
por rimas
sutis
nas entrelinhas

mas ele não
me ouve
então purgo
meus pecados
neste deserto
textual

sacrifico palavras
em tempestades
de areia
louvo o corpo
anêmico
deste poema


(mínimo).


II

Cristal líquido


o criador
a criatura

suas sombras
se perturbam

o real
o imaginário

suas formas
se costuram

o real
o virtual

água e óleo
se misturam.


III


Epílogo brasiliense


a cidade morre
no domingo
mais estranha
do que tensa

pombos devoram
restos de civilização
em vias desertas
transversais

o silêncio paira
na gravidade
dos subterrâneos
sem homens

sons do vazio
reverberam
imagens do nada
nos prédios

melancolia fria
sobre a geometria
que se encerra
em ângulos retos

tudo se finda
um sol estúpido
estanca a liquidez
da tarde.


IV


Biografia humana


corpo
capítulo
cadáver


espírito
escárnio
ex-carne


terra
aterro
enterro


resumo
resto
resíduo


fosso
osso
fóssil.


V


Livro da morte


no manuscrito
original
sobre a morte


nos escombros
da biblioteca
de alexandria


boas novas
para os
pecadores


o paraíso é tropical
mas no inferno
também neva.

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